Quarta-feira, 3 de Fevereiro de 2010
Apontamentos para a discussão sobre a nova ponte pedonal
As propostas do concurso de ideias para a concepção da nova ponte sobre o Canal Central resultaram, na sua maioria em objectos interessantes. Uma curta visita à exposição na Casa Major Pessoa não nos pode deixar mal impressionados. Na generalidade são peças bonitas, elaboradas com profissionalismo, apresentadas com rigor e com uma preocupação cuidada em comunicar a sua qualidade. As simulações 3D permitem-nos observar o resultado final da intervenção de uma forma muito precisa. Vale a pena a visita.
Mas então porque é que esta ponte é um problema? A questão coloca-se a montante. As equipas concorrentes responderam ao caderno da encargos dum concurso de ideias. Para isso nem sequer é necessário conhecer a cidade. Basta conhecer os termos do processo de concurso, a legislação portuguesa, e o google earth. E, por isso é que o tal caderno de encargos é fundamental. Espera-se que este resuma os princípios que se pretende que comandem a elaboraçao do objecto. Tão (ou mais) importante, este deverá estabelecer os termos que definam o papel do novo atravessamento no funcionamento daquele pedaço de cidade. E o pedaço de cidade que a ponte reorganiza (e condiciona) não é coisa pequena. Trata-se do principal canal do espaço urbano de Aveiro e elemento fundamental da relação da cidade com a ria, numa cidade que faz desta relação um dos seus recursos potenciadores de competitividade a nível regional e nacional. A intervenção numa zona desta importância não deveria ser lançada ás sortes duma proposta técnica mais ou menos interessante, mas sempre circunscrita aos termos em que a encomenda foi feita.
O caderno de encargos do concurso deveria ter sido o resultado de uma política fundamentada e discutida de intervenção no espaço urbano da cidade. Se o foi, tal não foi explicado, pelo que há um conjunto de questões que todavia urge clarificar: Porquê uma ponte entre o Alboi e o Rossio naquele sítio, quando o Plano de Urbanização do Programa Pólis a previa depois da Ponte da Dobadoura (e da curva do canal), ligando o bairro da Beira-Mar à margem sul, naquela que será uma entrada reconfigurada da cidade? O processo de concurso dá como dado adquirido que "A infraestrutura prevista (...) corresponde a uma necessidade há muito sentida, de ligação das margens deste canal (...)". Há estudos, inquéritos ou trabalhos de campo que sustentem esta afirmação? As gentes do Alboi foram ouvidas numa intervenção que alterará de forma irreversível o seu modo de vida? Foi estudada a alteração (e migração) dos fenómenos de gentrificação que esta nova travessia potenciará? Foi ponderado o impacto visual desta ponte na relação do centro da cidade com a paisagem lacustre? A resposta a estas questões é fundamental para uma discussão participada que coloque o problema da ponte nos termos que a sua importância exige.
Em boa hora (a hora a que o concurso foi divulgado), José Carlos Mota, em nome dos Amigos d'Avenida questionou os termos (e os "timmings") deste concurso. Não serviu de muito. Mas serviu pelo menos para este grupo informal de cidadãos ter a legitimidade de promover uma discussão que pretendeu que tivesse lugar no tempo certo. Mais vale tarde que nunca. E nesta questão, que terá uma importância decisiva na definição do carácter futuro da cidade, nunca é tarde.
Gil Moreira