(artigo publicado no Diário de Aveiro)
O luto desce sobre Aveiro
José Eduardo Rebelo
professor universitário
presidente da APELO
Uma tragédia pungente abateu-se sobre a comunidade aveirense. Um pai, certamente tão extremoso como todos os que investem no seu futuro da forma mais generosa que nos é dada a conhecer, a dádiva de uma criança, vê-se perseguido pela maior sentença que alguma vez fora incapaz de imaginar: a culpa pela morte do seu filho.
Aos aveirenses é exigida uma resposta rápida e eficaz. É necessário apoiar com todos os meios disponíveis o pai, a mãe e a menina que é a luz dos seus olhos. Para esta família jovem, que mergulhou num muito longo caminho de dor e sofrimento, temos que criar um espaço onde possa exprimir o desespero, a angústia, a raiva, o desabamento e o desnorte, mesmo em relação à própria vida, que irremediavelmente os acomete.
Será indecoroso que façamos qualquer juízo de valor sobre o comportamento distraído do pai ou sobre a fúria inconsolável da mãe. Muito pelo contrário, disponhamo-nos a ouvir sem cessar os seus clamores, as suas dúvidas aflitas, as suas persistentes lamúrias, não tentemos, nunca, opor-nos às expressões de dor e sofrimento que irão manifestar. Se nos sentirmos incomodados, não são eles que estão errados, somos nós. Já lhes basta a desgraça do seu penar, não necessitam de juízes que lhes apliquem outras penas.
Passado o choque que alertou o maior dos nossos medos sociais, a perda dos filhos, não podemos ostracizar este pai e esta mãe em luto, vamos aconchegá-los com o carinho e o calor humano que só de nós pode irradiar. Perguntará o leitor, mas como? O que lhes vou dizer? Como os posso ajudar?
A resposta é simples, embora a sua prática seja bem mais complexa. Teremos que nos preparar bastante bem porque a jornada será longa e dura, todavia incomensuravelmente compensadora. Sentiremos, neste gesto de dádiva, muito mais pulsar de vida do que a que já experimentámos anteriormente, pois é nos grandes terramotos da existência que aprendemos a distinguir o essencial do acessório, afinal, os alicerces que nortearão a dignidade da nossa conduta futura.
Vejamos, então, como apoiar estes pais em luto. Primeiro, devemos marcar a nossa presença; não de modo formal e aparente, restringindo-nos à expressão das condolências, mas fazendo com que sintam que não só não estão como não mais deixarão de estar sozinhos no seu sofrimento. Seremos, sempre, aquele ombro amigo em que se poderão apoiar para recuperar da exaustão provocada pelas suas tormentas.
A segunda condição é a da nossa disposição para ouvir, praticamente apenas ouvir. Os pais irão falar sem cessar do seu bebé, da sua incompreensão sobre a causa do sucedido e porque tinha de acontecer isto aquele inocente e a eles. E continuarão a necessitar de ser ouvidos em relação a imensas interrogações para as quais não existe uma resposta. Temos de as ouvir e de nem sequer tentar alvitrar o que quer que seja, apenas fazermos sentir que escutaremos tudo, mesmo o que nos seja doloroso, sem nunca lhes responder: “Não chores! Tem coragem! Ainda tens uma menina que precisa muito de ti! Ainda são novos! Poderão ter outro filho!”. E por aí adiante, num chorrilho de frases inoportunas que achamos serem as mais adequadas, com que enchemos os ouvidos de quem precisa de falar e não ouvir. Além disso, com estas palavras “piedosas” e “bons conselhos” provocamos a raiva de quem necessita de manter “vivo” o seu filho único, pois por mais filhos que tenhamos, cada um deles é único para nós.
A terceira atitude que devemos assumir é a de não censurar os actos dos pais em luto, quaisquer que eles sejam, por mais bizarros e indecorosos que nos possam parecer. É um turbilhão de emoções, um tsunami, que dita os passos de infelicidade destes pais. A razão está posta de lado, e assim permanecerá longamente, pelo que a ânsia de recuperar o irremediavelmente perdido levará os pais por caminhos escusos, que julgam de esperança. Apesar de os olhos lhes terem revelado a morte, ainda é muito cedo para o coração a aceitar, pelo que perseguirão obstinadamente o que continua a ser uma parte significativa da essência das suas vidas, não escolhendo caminhos.
Finalmente, vamos libertá-los de peias jurídicas e administrativas e entregá-los ao luto, às intensas vivências emocionais que se deparam diante de si. O acaso, Deus ou a natureza, consoante a filosofia com que nos guiamos pelo mundo, determinou o desfecho tão precoce de uma vida e obscureceu por alguns anos o brilhante fulgor desta encantadora família. Não nos apressemos a onerar o que, já de si, tem uma dimensão horrível; vamos, isso sim, aliviar a carga medonha que sobre estes pais se abate.
Há uma resposta solidária exigida à cidade de Aveiro: mãos à obra.
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