Notícia DN
http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1248911"Maria José Morgado admite que uma alteração legislativa não resolve tudo, mas deixou a pergunta em tom de crítica: "Porque é que nunca ninguém deu atenção à protecção penal do interesse público na legislação sobre o ordenamento do território? Porquê esta desprotecção em termos penais", questionou, no seminário "Política e Justiça", organizado pelo Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusófona.
Maria José Morgado considera que é preciso criminalizar as irregularidades urbanísticas e chama a atenção para o facto de isso nunca ter sido conseguido nas sucessivas reformas.
"Não temos uma previsão penal que criminalize as condutas censuráveis e as irregularidades que se praticam no urbanismo. Essa omissão de incriminação, que se tem mantido ao longo de todas as reformas penais, tem originado fenómenos de impunidade total que têm aumentado a descrença na actividade da justiça", explicou.
Esta impunidade permite que quase tudo seja possível, alerta a procuradora.
"Por falta de especialização, por dificuldade em detectar os fenómenos ou por desconhecimento completo, estamos numa área que é uma espécie de buraco negro da democracia, em que tudo acontece e em que não há consequências", afirmou.
Um dos problemas é que o direito penal não consegue, nesta área, adquirir prova do que aconteceu, porque "há pactos de silêncio entre os interessados".
Outra das dificuldades na análise dos processos urbanísticos prende-se, na sua perspectiva, com o "emaranhado de legislação", que permite "que as operações mais obscuras sejam apresentadas sob um manto de legalidade".
Apesar do quadro legal ser rígido, "há sempre quem dê um jeito", ironizou a procuradora, sublinhando que esta prática tem graves custos para os portugueses.
"Isto transforma-se no maior imposto que os portugueses pagam, que é o imposto do suborno das corrupções indetectáveis", alerta.
Quanto a medidas concretas para alterar este problema, a plateia fez muitas perguntas, mas Maria José Morgado não conseguiu definir uma solução única.
A procuradora admitiu, no entanto, que as ferramentas dos magistrados "são do tempo da idade da pedra", falou em "insuficiências ao nível da prevenção da corrupção" e considerou que o Conselho de Prevenção Contra a Corrupção tem a "insuficiência" de ser "demasiado fechado".
Maria José Morgado apresentou o caso espanhol como um exemplo a seguir e lembrou que o país vizinho constituiu "uma task-force que fez o levantamento dos principais problemas do país e investigações poderosas que levaram à prisão de uma presidente de Câmara e de todo o seu staff".
Adoptar o modelo para Portugal "era possível", mas, segundo a procuradora, para tal seria preciso "dar meios ao Ministério Público"".