in Público
07.12.2008, Alice Barcellos
A Digitópia é um projecto de criação musical em computador, cujo software foi produzido na Casa da Música. Qualquer um pode fazer as suas próprias composições
Não saber tocar um instrumento, cantar ou interpretar pautas já não são desculpas suficientes para não entrar no mundo da música de forma activa. O computador tornou-se num potente instrumento musical e quem quiser comprovar isto com os olhos e ouvidos pode recorrer a um projecto da Casa da Música (CM), a Digitópia - Plataforma para o Desenvolvimento de Comunidades de Criação Musical em Computador.
Para começar a desenvolver um beat electrónico ou uma escala de notas com o som de um piano não é preciso procurar muito, a Digitópia tem o seu espaço físico nos computadores localizados ao lado das bilheteiras da CM. Não chama muita atenção à primeira vista e, por vezes, pode ser encarada apenas como "12 computadores que foram postos à entrada da Casa da Música", explica o curador do projecto, Rui Penha.
Mas a Digitópia é muito mais do que isso. "A ideia é que qualquer um pode fazer música electrónica sem ter nenhuma formação adequada", explica Rui Penha, que também é músico e compositor. "Toda a gente pode e deve ter uma identidade criativa", completa o responsável.
Para esta tarefa, o utilizador comum, que chega pela primeira vez à Digitópia, não está sozinho. O projecto, que funciona das 10h00 às 19h00 na CM, conta, a partir das 16h00, com monitores especializados, que estão aptos a ajudar os mais interessados a aprofundar conhecimentos e, quem sabe, começar uma carreira musical. "Claro que há também pessoas que experimentam e chegam à conclusão que não têm muito jeito para a música", refere um dos monitores do projecto, Nuno Peixoto. Com Ana Mendes aconteceu o contrário. Sentada num dos computadores da Digitópia e com os auscultadores aos ouvidos, esta liboeta de 26 anos começava a dar os primeiros passos no Garage Band, um dos programas de criação musical. "Conheci o projecto quando vim ver um concerto e vi um pouco de um workshop que estava a ser dado para uma escola", conta. Ana, que estudou piano durante seis anos, reconhece "que hoje é muito fácil compor música", realçando a necessidade "de existirem mais espaços como a Digitópia". Apesar de viver na capital, Ana Mendes diz que frequenta a CM com regularidade. "Falta em Lisboa uma Casa da Música", afirma.
Software da Casa
Desde 2007, altura em que a Digitópia começou a funcionar, o projecto já foi apresentado e distinguido em conferências internacionais. Este ano passou pela International Computer Music Conference, em Belfast, e pela Digital Resources in the Humanities and Arts, uma conferência em Cambrigde. O projecto envolve não só a Casa da Música, mas também a Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores e a Universidade Católica.
Os dois programas de produção musical feitos de raiz na Casa da Música, por Rui Penha, mereceram uma menção honrosa no Lomus 2008 - International Music Software Contest, organizado pela Association Française d'Informatique Musicale. Políssonos e Narrativas Sonoras são os dois softwares desenvolvidos que estão disponíveis para quem queira aprender a trabalhar com eles. Estes programas são freeware e open source, logo qualquer um pode fazer o download dos programas para os instalar no seu computador e trabalhar onde quiser. E mais, o facto de ser open source permite fazer modificações no próprio programa. "O nosso software é uma abordagem diferente do que já existe", diz Rui Penha. "O objectivo era desenvolver um programa que permitisse fazer música no computador, fácil de aceder e usar, que abrisse novas fronteiras aos utilizadores, que qualquer pessoa pudesse fazer o download do software", explica o curador da Digitópia, lamentando que "ainda haja resistência de algumas pessoas de fornecerem os seus conteúdos de forma livre".
Narrativas Sonoras: explora a textura métrica e o timbre específico de cada som, combinando as suas prioridades.
Políssonos: inspirado nos polígonos, ilustra a relação entre música e matemática, através de uma forma fácil de criar música.
Digital Jam: também criado na Casa da Música, permite uma improvisação em conjunto, através de computadores ligados em rede.
Garage Band: com um interface simples permite sequenciar sons (loops), é muito popular entre os jovens.
Pompiloop: desenvolvido no Centro Georges Pompidou, é dirigido a crianças.
Reason: simula sequenciadores, sintetizadores, mixers e outros aparelhos electrónicos.
a Quantas pessoas recebem por dia e quantos utilizadores já passaram pela Digitópia? O facto de não existirem respostas concretas para estas questões também é outro factor sui generis do projecto da Casa da Música.
"Há muita gente a frequentar a Digitópia, sabemos pelo número elevado de ficheiros guardados nos computadores e pelos digi reports [relatórios escritos diariamente pelos monitores]", conta Rui Penha, curador do projecto. "Não há qualquer tipo de dados concretos sobre as pessoas que usam o projecto", refere o responsável, concluindo que este é o "espírito de abertura existente na Casa da Música". "É ideia de que o espaço está vivo", completa.
"Qualquer coisa feita aqui nos computadores entra no domínio público, mas há um grande anonimato no que se está a fazer. Talvez alguma música feita aqui já tenha sido tocada em alguma festa privada ou numa rádio", supõe Rui Penha.
O ambiente informal da Digitópia pode contribuir para que "todos os dias de trabalho sejam diferentes", diz o monitor Nuno Peixoto. Os computadores servem não só como instrumentos musicais, mas também como "ponto de encontro" ou "sala de espera". "Há pessoas que marcam encontros na Digitópia, outras que só vêm aqui para ouvir música", conta o monitor.
Rui Penha também realça que já houve pessoas que se conheceram na Digitópia, "deram aqui os seus primeiros passos na música", não fosse um dos objectivos do projecto a criação de comunidades de música electrónica. A.B.
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Uma forma inteligente de estimular uma comunidade criativa, seguindo o velho princípio de Auguste Gusteau...
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