[problema de partida/historial]
A questão do abaixo-assinado surge como um alerta para a forma como a autarquia planeava intervir, no curto prazo, na Praça JMF, lançando um concurso de arranjo do espaço público – Vazio da antiga Sapataria Loureiro - com contrapartida publicitária, num período máximo de cinco anos, feito através dum concurso com prazo muito curto (14 dias úteis) e lançado entre o Natal os Reis.
Acontece que a Praça JMF não é uma praça qualquer. Todos lhe reconhecemos um elevado valor histórico, cultural e social, está localizada na zona central na cidade, e tem presença marcante na imagem da cidade.
Para além disso, para este movimento cívico esta praça é ainda mais especial, pois temos vindo a dedicar-lhe uma atenção muito particular, por via do nosso envolvimento nas comemorações dos 250 anos da cidade. No âmbito dessa participação, produzimos um conjunto de ideias e imagens para o espaço, apresentámos propostas exploratórias de intervenção física e desenvolvemos iniciativas de dinamização e animação cultural, que envolveram largas dezenas de agentes culturais da cidade e que mobilizou, durante nove meses, a comunidade.
Pretendemos, com actividades mencionadas, trazer as pessoas para a rua, para nela se encontrarem mas, também, para encontrarem novos motivos de interesse, participando ou assistindo a actividades artísticas e culturais que se desenvolvam no espaço público. Com isto estamos a contribuir para que a comunidade conheça melhor a sua cidade, valorize a sua história e os seus valores contemporâneos, reforce o seu sentido de pertença, tenha uma postura menos passiva. Uma comunidade com estas qualidades é uma comunidade mais forte e inovadora, melhor preparada para responder aos desafios do futuro!
Nesse sentido, quando tivemos conhecimento do lançamento do concurso, entendemos ser nossa responsabilidade chamar a atenção para a importância de uma cuidada abordagem à Praça JMF e organizámos um abaixo-assinado que solicitava a ponderação do lançamento da iniciativa.
Como resposta, a CMA referiu que a iniciativa visava apenas resolver, de forma transitória, a má imagem que o espaço apresentava e que estava já a ser preparado um concurso de ideias para a Praça MF. Acontece que a construção das cidades, é ela própria um processo transitório, em permanente mudança, e os cinco anos propostos para esta solução pareciam-nos exagerados. Nessa sequência, o movimento de cidadãos entendeu insistir num novo pedido de ponderação que, neste momento, recolheu perto de 100 assinaturas, e que será entregue no final desta semana ao Executivo e à Assembleia Municipal. E insistimos pelo seguinte conjunto de razões.
Primeiro, o concurso (em particular o seu caderno de encargos) é omisso em considerações importantes sobre o papel do vazio e da Praça Melo Freitas na vida da cidade, questão fundamental para a orientação do projecto (e dos projectistas), e na referência a contributos (projectuais e de planeamento) que foram produzidos para aquele vazio e para a Praça, no passado recente (por exemplo, os Amigosd’Avenida, no âmbito das actividades dos 250 anos, sugeriram o conceito de ‘Jardim Vertical’; e o Manifesto).
Segundo, essa ausência de reflexão sobre o que pretendemos para a Praça fragiliza o programa funcional da intervenção, que se centra, excessivamente, na preocupação cénica de tapar a empena. Esta situação é ainda agravada pelo facto da empresa fornecedora do serviço ser, ao mesmo tempo, quem vai explorar a publicidade do espaço, podendo, eventualmente, questionar-se se esta metodologia garante a qualidade (estética e funcional) da solução.
Terceiro, ignorando a participação cívica na sua formulação, elimina um dos potenciais de mobilização da comunidade para reflectir sobre a cidade e para participar na resolução dos seus problemas (por exemplo, equacionando soluções alternativas), uma questão fundamental num momento de escassez de recursos.
Finalmente, se a Praça JMF se encontra naquele estado de degradação há alguns anos, não se percebe a razão dum processo tão expedito.
Nesse sentido, a exposição final, que iremos entregar aos responsáveis municipais, propõe a organização de uma sessão pública de apresentação e discussão do conceito de intervenção, do seu programa funcional e das propostas resultantes do Concurso lançado pela autarquia, e o início da reflexão pública sobre o Caderno de Encargos (objectivos e programa funcional) do ‘Concurso de Ideias para a Praça Melo Freitas’ a lançar nos próximos meses.
[contexto]
Convém esclarecer que esta iniciativa (abaixo-assinado sobre PMF) é uma intervenção cívica, uma proposta de acção, não é oposição partidária (como recordava o Gil Moreira). Faz parte do sentido de responsabilidade social deste movimento. Esta intervenção não é contra ninguém é, genuinamente, pela cidade, por uma cidade melhor e mais bem planeada.
Importa informar que este movimento cívico surgiu de uma forma muito particular, à volta de um blogue - Amigosd’Avenida - e na sequência da conferência que a CMA organizou sobre o futuro da Avenida, e que tem procurado aprofundar a sua legitimidade pela forma transparente e aberta como tem actuado (todas as opiniões, posições e documentos produzidos estão disponíveis no blogue), sempre aberta ao contraditório, pois não temos a pretensão de ser donos da razão, pelo olhar global que sugere para a cidade, e que é um movimento apartidário e constituído por pessoas de diferentes filiações e/ou ideologias políticas (que subscrevem as várias posições públicas sobre este assunto).
A vocação do grupo passa assim por participar proactivamente na decisão de fazer cidade, dando contributos e sugestões, procurando melhorar e qualificar a decisão sobre o espaço que afinal é de todos nós (como a Raquel Pinho lembrou).
Obviamente que reconhecemos que o executivo foi eleito com uma larga maioria e tem toda a legitimidade para tomar as decisões. Contudo, julgamos ser nossa responsabilidade chamar a atenção para decisões que, na nossa opinião, podem contrariar os princípios que têm defendido.
Por um lado, a proposta que se pretende implementar negligencia os princípios do ‘Manifesto por uma política de animação e qualificação do espaço público’, produzido pelos Amigosd’Avenida e que mereceu o apoio e aplauso do então e actual Presidente da CM de Aveiro, que manifestou concordância com os seus princípios e referiu que desejava ‘assiná-lo e implementá-lo com uma política transversal que, envolvendo os diferentes serviços do Município e a participação da comunidade, cumpra os princípios enunciados’ (Diário de Aveiro, 8OUT09). Se eles fossem realmente importantes, deveriam ter sido referenciados no Caderno de Encargos do Concurso. E por outro lado, assim que se defende como princípio de actuação uma ‘governação participada’ e se aposta num maior ‘envolvimento cívico’, a postura autárquica deveria ir nessa linha, e procurar ser mais proactiva ou receptiva (promovendo esclarecimentos sobre assunto).
Nós temos a consciência que não existe tradição recente em Aveiro de movimentos cívicos a questionar o modelo de desenvolvimento urbano e os processos de transformação da cidade. E, por isso, existe alguma resistência e desconforto com estas tomadas de posição.
Mas importa lembrar três coisas: que este movimento deu provas, no passado recente, de se mobilizar com esta autarquia num conjunto de iniciativas no âmbito dos 250 anos; que esse envolvimento nos dá uma responsabilidade e legitimidade maior para podermos discordar das opções e apontar alternativas; e lembrar que foi (e é) deste modo que grandes alterações positivas em prol do planeamento das cidades se fizeram noutros países da Europa. Exemplo: a criação de zonas de muito baixa velocidade em zonas residências (que hoje em dia prolifera pelo mundo) partiu da proposta de um grupo de cidadãos na Holanda (como bem lembrava a Anabela Narciso).
Acontece que, em Aveiro, os órgãos institucionais (sessões públicas da CM e da AM) são espaços onde se privilegia muito pouco o debate público; Os partidos políticos ao nível local só actuam em momentos pré-eleitorais e de forma muito fragmentada.
Por isso, temos que encontrar espaços e instrumentos para tornar habitual este envolvimento cívico, que é um recurso indispensável das nossas sociedades, e que tem sido desperdiçado ou indevidamente utilizado. E isso pode acontecer na discussão de projectos desta natureza ou em iniciativas de maior alcance – por ex. o Plano Estratégico do Concelho que a CMA tem em elaboração e que justificava uma maior atenção e debate.
José Carlos Mota, com contributos de Gil Moreira, Joaquim Pavão, Tiago Castro, Cláudia Luz, Anabela Narciso e Raquel Dora Pinho
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