[artigo de opinião]
Reacção de Pedro Jordão às declarações do Dr. Nuno Marques Pereira sobre o Teatro Aveirense
Por um Teatro Aveirense verdadeiramente plural.
Tomei conhecimento, através do site da Rádio Terranova, das declarações que o Dr. Nuno Marques Pereira, deputado do PS na Assembleia Municipal, proferiu recentemente sobre o Teatro Aveirense. Li-as com o maior interesse mas, devo admitir, com alguma incredulidade. Se todos partilhamos das suas preocupações acerca da situação financeira do Teatro Aveirense, sem que por isso deixemos de implementar as medidas necessárias à sua estabilização, já no que toca às suas considerações sobre a actual programação não posso, nem devo, deixá-lo sem resposta.
Talvez movido por uma ideia pré-concebida sobre quem trilhou, de facto, um percurso público na programação cultural dirigida essencialmente a públicos mais específicos, o Dr. Marques Pereira considera que “neste momento, assiste-se a uma programação mais alternativa em relação a um passado mais recente”. Merece, da minha parte, a mais frontal discordância. Se fosse meu propósito criar uma programação mais “alternativa”, as suas declarações não me suscitariam qualquer reacção. Mas, como frisei desde o início e como acredito que a minha programação se tem encarregado de demonstrar, a actual estratégia do Teatro Aveirense visa a obrigatória abrangência de públicos e sensibilidades que um equipamento público como o Teatro Aveirense tem que expressar e que, felizmente, muitos têm reconhecido.
Estamos, parece-me, de acordo quanto ao objectivo do Teatro Aveirense, ainda que não na análise das medidas já implementadas. Olhando para a programação do primeiro trimestre de 2010 do Teatro Aveirense, devo dizer que me parece tão evidente a coexistência entre espectáculos de grande público e de espectáculos destinados a públicos específicos, que as declarações do Dr. Marques Pereira me levam a duvidar de uma análise escrupulosa da sua parte relativamente ao que tem sido a acção do Teatro Aveirense no início desta sua nova fase. Um olhar atento encontraria facilmente uma procura de diversidade que inclui ainda preocupações quanto às diferentes faixas etárias e às diferentes sensibilidades, quanto ao equilíbrio entre as várias áreas artísticas e quanto à existência de um serviço educativo de qualidade (e, diga-se, de grande participação).
De qualquer modo, não estou certo de que o Dr. Marques Pereira tenha um entendimento claro da sua própria expressão – “programação alternativa”. Por exemplo: o esgotadíssimo concerto de Legendary Tiger Man, com o seu blues rock “alternativo” mas com uma popularidade já completamente “mainstream”, insere-se ou não nessa noção vaga de “programação alternativa”? E um concerto de música clássica, claramente um nicho de público, que tenha uma adesão de apenas algumas dezenas de pessoas? Onde é que se enquadra nesta história?
E como é que pode ser considerada “programação alternativa” ter uma peça de teatro de grande qualidade com as grandes (e amplamente conhecidas) Custódia Gallego ou Ana Bustorff? Ou um concerto de fado de Carminho ou um concerto de Tiago Bettencourt, claramente espectáculos de grande público, sem qualquer desmerecimento da sua evidente qualidade? Ou uma peça de dança de Wim Vandekeybus, provavelmente o maior nome da dança europeia e que, com grande honra nossa, veio a Aveiro encontrar uma plateia cheia e rendida e lançar o nome da cidade nas páginas de todos os jornais nacionais na última semana? E pode criticar-se um ciclo de cinema a custo zero de Agnès Varda, apresentado com destaque nacional no último DocLisboa, por exemplo? Ou o que se está a dizer é que nada de mais “alternativo” pode ser programado? Que a obrigatória diversidade do Teatro Aveirense, para o Dr. Marques Pereira, pára aí? E porquê, a partir de que lógica cultural ou económica?
Devo ainda dizer que quanto à relação investimento/retorno dos diferentes espectáculos, o Dr. Marques Pereira tem uma ideia completamente desfasada da realidade. Apesar de não estar a ser feita uma “programação alternativa”, os espectáculos a que as pessoas associam a expressão são, não raras vezes, o que melhores números conseguem a esse respeito. Para além de se referirem aos públicos mais militantes, com mais rotinas culturais. O Dr. Marques Pereira, do qual eu não esperava uma postura tão conservadora e precipitada, fala de números sem conhecer um único. Se em vez de ditar sentenças empiricamente se apoiasse em factos, estou certo de que não teria proferido as declarações que hoje se conhecem. Por outro lado, a renovação gráfica do Teatro Aveirense, não só me parece ter tido uma clara melhoria, como está perfeitamente na linha dos principais teatros do país, sem que eu perceba em que possa ser, também ela, mais “alternativa”. Posso ainda revelar que os números, ainda que preliminares ao fim de apenas 2 meses, indiciam uma melhoria dos indicadores (custos, receitas, espectadores) relativamente ao mesmo período de 2009.
Resumindo: a estratégia de programação foi clara desde o início: trabalhar realmente todos os públicos, com qualidade e diversidade, de modo ao Teatro Aveirense assumir o seu papel natural como principal equipamento cultural da região, sem deixar de lhe conferir uma maior visibilidade a nível nacional. Talvez seja ainda extemporâneo estar a julgar um percurso no seu início, mas o tempo encarregar-se-á de provar quem teve a visão mais clara sobre esta causa de todos. Até lá, o debate, ao qual nunca me furtarei, será sempre salutar.
Aveiro, 1 de Março de 2010
Pedro Jordão, Director Artístico do Teatro Aveirense
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