[artigo de opinião de Nuno Marques Pereira]
Em recente sessão da Assembleia Municipal foi discutida uma proposta de recomendação sobre o Orçamento Participativo (OP). Da discussão retiram-se duas conclusões. Primeira, muito pouca gente sabe exactamente do que se trata, incluindo o Sr. Presidente da Câmara. Segunda, perspectiva-se que num futuro próximo não haverá OP em Aveiro, sendo esta uma promessa eleitoral da actual maioria. Perpassou inclusivamente a ideia de que, quando se prometeu um OP, não havia a percepção das suas implicações. Atente-se nas palavras do Sr. Presidente, dizendo que seria para “implementar a dez anos”! Erro metodológico: ou se inicia um ciclo de participação ou não. Não há meias tintas!
Democracia Participativa
A preocupação pela participação dos cidadãos na vida pública é um traço bem saliente da nossa lei fundamental. A Constituição consagra a democracia participativa como uma forma de encurtar distâncias entre os cidadãos e os seus representantes. Procura, desta forma, suprir as manifestas limitações da democracia representativa, cujo exercício de cidadania se tem resumido, essencialmente, a uma chamada periódica às urnas.
Ao postular o “aprofundamento da democracia participativa”, o texto constitucional sublinha a necessidade permanente de se encontrarem mecanismos que permitam uma efectiva intervenção dos cidadãos nas decisões emanadas dos centros de poder. No fundo, acentua a ideia de que a democracia não é um bem imutável, mas, ao invés, um processo dinâmico, a reclamar uma contínua qualificação. A democracia existe enquanto processo capaz de se democratizar a si próprio.
Nesta linha, vem OP que se tem vindo a disseminar na Europa, com registo de experiências consistentes também no nosso país.
Orçamento Participativo
O OP nasceu no Brasil, em 1989, tendo como principal referência a cidade de Porto Alegre. Desde essa altura, até aos dias de hoje, verificou-se uma expansão considerável. Primeiro no Brasil, depois em toda a América Latina, seguindo-se a Europa. Presentemente, e sendo conhecidas mais de 2000 experiências em todo o mundo, o desafio está na criação de redes nacionais e internacionais, que, facilitando a comunicação, permitam a consolidação destas práticas.
É ao nível municipal que o OP tem maior visibilidade, existindo também experiências de nível regional e infra-municipal. A sua enorme diversidade, quer pelas diferentes dimensões territoriais onde se pode aplicar, quer pelo número de pessoas envolvidas, faz com que não exista um fato à medida, pronto a ser usado. Mas é evidente que existem modelos inspiradores. Torna-se indispensável respeitar a própria idiossincrasia do meio, partindo daí para a implementação de modelos que se adaptem às próprias características do território e anseios dos cidadãos.
Dos diversos contributos conceptuais, podemos descrever o OP como uma nova forma de governação, assente na participação directa dos cidadãos, através de amplos processos de consulta e/ou de co-decisão, na definição das prioridades de uma pequena % do investimento do orçamento público para um determinado território, tendo por base um processo de reflexão e debate sobre os seus problemas.
Uma síntese cuidadosa entre democracia directa e representativa constitui o fermento gerador de maior confiança dos cidadãos nas instituições, promovendo uma qualificada coesão do tecido social.
A Dimensão Financeira do OP
O OP pressupõe que o processo se funde numa qualquer decisão sobre o investimento público. Mas, a montante, é indispensável assegurar uma efectiva participação, quer de pessoas singulares, quer colectivas, conferindo-lhes também um papel de destaque na definição das regras da própria dinâmica participativa.
Estão em causa, como ficou dito, pequenas percentagens do orçamento de investimento anual das municipalidades, na ordem dos 0,5% a 5%.
Todavia, para uma eficaz implementação, é determinante que se promova um debate prévio sobre a dimensão financeira e orçamental. Claro está, que uma discussão desta natureza pode ser dissuasora. No entanto, se não existir a percepção correcta desta realidade o processo participativo pode estar inquinado à partida. Quem participa deve ter a consciência da dificuldade de mobilização de recursos financeiros que façam face às escolhas resultantes do processo, que, por esta via, serão naturalmente mais justas e criteriosas. No seu termo, é imperioso que se promova uma rigorosa prestação de contas, de forma a melhora-lo e, sobretudo, a torna-lo credível.
Como é óbvio, condição sine qua non para a consolidação desta metodologia é a sua repetição no tempo. O esquema processual não deve, de início, ser muito complexo e ambicioso. Antes, deve optar-se por uma solução mais simplificada, permitindo uma ampliação segura e sustentada.
Um OP para Aveiro?
Atendendo às características do nosso território, das nossas gentes e da realidade económico-financeira da edilidade, faz todo o sentido implementar um OP em Aveiro. Envolver os aveirenses, trazendo-os à discussão e resolução dos problemas das suas comunidades, ano após ano, é responsabilidade de todos. Mas não haja ilusões. O sucesso de uma qualquer metodologia participativa depende de uma empenhada assumpção política dos governos municipais, nesta pequena partilha de poder. Estarão o nosso Pr. da Câmara e a sua maioria disponíveis para isso? Espero que sim.
Aveiro, 30 de Março, de 2010
N. Marques Pereira
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