Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2009

Já não é só chocolate...

Por cá também poderia deixar de ser só ovos moles...

 

«Por baixo do chocolate, as ideias

Público 04.02.2009, Alexandra Prado Coelho

Não é só de muralhas de castelos antigos, mesmo que ocasionalmente cobertas de chocolate ou de neve, que se faz uma vila criativa. Óbidos quer ser muito mais do que a Vila Natal, o Festival Internacional do Chocolate ou o Mercado Medieval. E tem uma estratégia para isso

 

(...) Provavelmente, nos últimos anos, os quatro amigos tinham, como muitos de nós, ouvido falar de Óbidos sobretudo por causa dos grandes eventos que a autarquia organiza e que atraem milhares de pessoas à vila: o Festival Internacional do Chocolate, a Vila Natal, ou o Mercado Medieval.
Provavelmente não sabiam que estavam a chegar a um local com uma estratégia: a de se tornar uma vila criativa.
Com uma mochila às costas, Telmo Faria, o presidente da Câmara de Óbidos, desce uma das ruas estreitas da zona histórica da vila, depois de um almoço, no final de Janeiro, com os convidados da conferência sobre Clusters criativos em áreas de baixa densidade - um projecto que pretende mostrar que a ideia de "cidade criativa" não tem que funcionar apenas em cidades grandes, como Lisboa, Berlim, Barcelona ou Londres, mas que pode funcionar também em vilas ou cidades mais pequenas (um cluster é um conjunto de empresas que, de alguma forma, se relacionam entre si).
(...) "No nosso modelo, tudo o que acontece tem que preservar a baixa densidade, a qualidade de vida, a imagem de prestígio. A criatividade e inovação passaram a ser as únicas ferramentas possíveis para crescer em qualidade e não em quantidade." Começaram com uma medida muito concreta: "O Plano Director Municipal previa a criação de 39 mil camas em dois mil hectares. Suspendemo-lo e passámos para 20 mil camas em quatro mil hectares. Estamos a falar de cinco/seis habitantes por hectare, e isso não existe na Europa", frisa Telmo Faria.
E também não estamos a falar de muitos hotéis novos. Estas camas são sobretudo em casas de muito alta qualidade. "Para que este turismo residencial vingue é preciso garantir essa baixa densidade." É a fórmula "menos pessoas, mais valor". E, segundo o autarca, virado não apenas para os portugueses, mas para ingleses, alemães, holandeses, "que estão a três horas de distância de avião".
O segundo passo da estratégia da vila é ser uma "economia criativa" - numa rede nacional que inclui também Montemor-o-Novo, Montemor-o-Velho, Portalegre e Guimarães -, atraindo indústrias criativas e os chamados "talentos".
Telmo Faria aponta à sua volta para as casinhas baixas e brancas. "Regressamos à Idade Média, quando muitas destas casas eram casas-ateliers." A ideia é que voltem a ser, só que hoje sustentáveis do ponto de vista ambiental, com baixas emissões de carbono, redes wireless que permitam às pessoas, a partir de Óbidos, trabalhar com outras em qualquer ponto do mundo.
Para começar com estas "residências criativas", a câmara desafiou 42 proprietários no centro histórico para que reabilitem as suas casas. Se o proprietário não quiser recuperar, a autarquia faz a recuperação, estabelecendo depois uma renda que seja suportável para os artistas que vierem a ocupar o espaço, e que não prejudique o proprietário. Os acordos com as pessoas, ou famílias, ligadas a actividades criativas, podem ser estabelecidos por um mês, três meses, dois anos, cinco anos, conforme os casos. Soma-se depois a vantagem, sublinha o presidente da câmara, de o IRS ser mais baixo para quem vive em Óbidos do que para quem vive em Lisboa.
Recuperar espaços livres
"O que queremos é ter mais famílias jovens a viver no centro histórico, com a nossa garantia de que a renda não dispara, ao contrário do que aconteceria se fosse controlada pelo mercado. Queremos recuperar espaços livres, antigas escolas, aviários, para pessoas que procuram lofts, ou um open space, em sítios que eram antigas indústrias." Foi o que aconteceu quando O Bichinho de Conto apareceu e se encantou com a tal escola no cimo do monte. Têm uma concessão do espaço por cinco anos, fizeram eles todas as obras necessárias, e "pagam" à câmara em serviços, com projectos de promoção da leitura nas escolas.
Mas não são só famílias e artistas que Óbidos quer atrair. Nos projectos de Telmo Faria estão também as empresas - para isso foi criado um parque tecnológico, também voltado sobretudo para as indústrias criativas, num conceito alargado, que inclui moda, design, vídeo, jogos de computador, software, arquitectura, artes visuais, tecnologia. As empresas que aí se instalarem beneficiam do Óbidos Tax Free, ou seja, não pagam impostos e taxas municipais. Mas - e este é um aviso que vem com ponto de exclamação no documento de apresentação do projecto - "a criatividade tem que ser muito mais do que um rótulo".
"A criatividade e a inovação são normalmente vistas como uma moda. Todas as cidades querem ser criativas como Londres, Madrid ou Berlim. Mas nem todas têm o potencial para isso", explica Catarina Selada, do Inteli - Centro de Inteligência em Inovação, parceiro de Óbidos na rede internacional de Creative Clusters in Low Density Areas (da qual fazem parte também Barnsley no Reino Unido, Catanzaro em Itália, Enguera em Espanha, Hódmezovásarhely na Hungria, Mizil na Roménia, Reggio Emilia e Viareggio, ambas em Itália).
O que é que é, então, necessário para que uma cidade de pequena dimensão possa reinventar-se como cidade criativa? "Os que têm esse potencial são pequenos centros urbanos, áreas rurais que têm um conjunto de activos naturais e histórico-culturais, como Óbidos tem a lagoa ou o castelo. A estes juntam-se novos activos, que têm que ser criados, de incubadoras de artes a residências para artistas, passando por infra-estruturas de conhecimento."
Não é algo que se consiga do dia para a noite, sublinha Catarina Selada. "É um processo que dura entre dez e 20 anos." Sheffield, no Reino Unido, tornou-se um dos exemplos mais citados. "Começou nos anos 80 com zero. Tinha uma forte tradição industrial e hoje tem um bairro de indústrias criativas consolidado na área da música, teatro, dança, filmes."
Criar uma marca
Uma das apostas de Sheffield foi na criação de uma "marca" - Creativesheffield -, associando a estratégia de marketing ao plano de desenvolvimento económico. O city branding é importante mas não essencial para todos os casos, afirma Jan Runge, da KEA European Affairs, a empresa baseada na Bélgica que foi responsável pelo estudo que concluiu que as indústrias culturais representaram em 2003 na Europa 654 mil milhões de euros, enquanto, por exemplo, a indústria automóvel representou 271 mil milhões.
Fundamental, segundo Runge, que esteve também em Óbidos para a conferência sobre os clusters criativos, é que os responsáveis de cada cidade se reúnam com os comerciantes e pessoas de várias áreas para definirem as prioridades. "Se a criação de uma imagem melhor for considerada prioritária, então desenvolve-se uma estratégia para isso. Mas uma estratégia de comunicação tem que se basear numa verdadeira necessidade. Se toda a gente começar a dizer que tem uma cidade criativa, tornar-se-á muito difícil distinguir umas das outras."
Para elaborar uma estratégia "começa-se com o que se tem", aconselha Runge. "A capital europeia da Cultura 2010 será a cidade alemã de Essen. É uma zona muito industrializada do país, que sofreu um grande declínio económico, e o que faz agora é ligar a sua criatividade ao passado industrial e à ideia de regeneração."
Óbidos nem precisa de procurar muito para encontrar história e património. Aliás, antes ainda das residências criativas e do parque tecnológico, a grande aposta foi precisamente o património. "Óbidos era um concelho deprimido, com um castelo muito bonito e uma lagoa", diz Telmo Faria. "Mas era como uma daquelas jóias que temos em casa e nunca usamos, uma relíquia. As pessoas diziam 'é muito lindo, fui lá há 20 anos'."
Os grandes eventos serviram para tornar o património vivo, levando milhares de pessoas à vila. "Servem para a animação económica do pequeno e médio comércio, da hotelaria, dos restaurantes. Isso cria emprego, riqueza. Há muitos investidores que se aproximaram de Óbidos por causa desse modelo. O património não é para estar vazio. Queremos que as pessoas o interpretem e se for pelo chocolate que o fazem, tudo bem."
O chocolate "chamou a atenção de Óbidos como marca", diz Telmo Faria. "Criámos outro castelo, mais imaterial." O que a vila agora espera é que entre as muralhas antigas e as de chocolate se instalem as ideias.»

 



publicado por Filipe Teles às 10:08 | link do post | comentar | favorito

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