A recente decisão da autarquia de ceder três linhas de transporte colectivo rodoviário à empresa Transdev merecia ter sido discutida com profundidade, por se tratar de uma matéria delicada que envolve um serviço de interesse público à comunidade, num contexto em que esta enfrenta particulares dificuldades económicas.
Antes de mais importa perceber a dimensão e momento da decisão. Estamos a falar da cedência (total ou parcial) das antigas linhas 1, 2 e 7 da MoveAveiro, representando aproximadamente 70% do número total de passageiros do sistema (1,1 dum total de 1,6 milhões por ano) e cerca de 50% da dimensão física da rede. De acordo com a informação disponível a cedência é feita sem qualquer contrapartida financeira para o município, ficando a empresa municipal com a responsabilidade de gerir a restante rede (cerca de 30% dos utentes e 50% da rede), o transporte escolar e toda a estrutura de apoio (motoristas, estrutura técnica e administrativa). Acontece que, neste momento, a autarquia tem em desenvolvimento um Plano de Mobilidade que deveria ser o palco da concepção de uma proposta coerente da rede de transportes (articulando o território, a população e as necessidades de mobilidade) e da eventual preparação da concessão do sistema, o que (aparentemente) não ocorreu.
Numa análise à distribuição espacial da nova rede (*) identificam-se vários problemas. Contrariando a lógica de rede que a MoveAveiro possuía, que unia as extremidades do concelho e que permitia, por ex., que quem estivesse em Cacia ou Esgueira pudesse deslocar-se para outro extremo da cidade, para o Glicínias ou o Mercado de Santiago, sem transbordo, nem acréscimo de custos, a proposta da rede da UrbAveiro não o irá permitir. A lógica desta nova rede será radial, partindo da periferia (Cacia, Eixo, Mamodeiro/Nariz) para o centro da cidade (Estação/Universidade), o que reduz ou dificulta o serviço a outras áreas, podendo a sua qualidade ser agravada pelas normais penalizações resultantes do transbordo para outras linhas ou modos de transporte. Ainda assim, nos últimos dias a rede tem sofrido alterações, pelo que seria importante tentar garantir uma maior coerência com o modelo anterior e articular a proposta com as conclusões do Plano de Mobilidade.
Por outro lado, a nova rede da MoveAveiro teve de se adaptar às falhas de serviço que a UrbAveiro não assegura, o que obrigou à definição de redes mais longas, penalizando os utentes de algumas linhas, sobretudo as que servem as freguesias mais distantes. A título de exemplo, refira-se os utentes das zonas de Taboeira/Quinta do Loureiro ou Póvoa/Quinta do Valado que aparentemente terão circuitos mais longos e demorados, por serem de sentido único, pelo que a deslocação ao centro da cidade passará a ser penalizada.
Analisando os horários das novas linhas da UrbAveiro é possível concluir que comparativamente ao serviço anterior existe uma penalização nos horários dos últimos autocarros, sobretudo no caso de Eixo, Mamodeiro e Nariz que passam respectivamente das 00:00 e 23:20 (nos dois últimos casos) para 22:30 e 20:15. É uma redução significativa em alguns casos de mais de três horas. Acrescenta-se que a existência de dois operadores de transporte irá dificultar a coordenação dos horários entre redes, penalizando a lógica intermodal, seja intra-municipal, inter-urbana ou inter-regional.
Quanto ao tarifário, a tabela da UrbAveiro apresenta vantagem pelo facto de considerar duas zonas com valores distintos para o valor do passe (37,40€ - concelho e 26,20€ - cidade e coroa envolvente), o que poderá ser um incentivo para uma maior utilização do transporte colectivo, sobretudo para a coroa envolvente da cidade (Alagoas, S. Bernardo, Esgueira e Aradas). O preço do bilhete urbano (deduz-se que comprado no autocarro) é consideravelmente mais baixo (1,85€ para 1€) o que, sendo eventualmente interessante para o utilizador eventual, pode constituir um entrave a um eficiente funcionamento do sistema, resultante dos atrasos provocados pelo serviço de venda de bilhetes a bordo feito pelo condutor.
No que concerne aos apoios para utentes especiais (idosos e jovens) não fica claro qual o valor do passe e se a MoveAveiro irá, de algum modo, compensar o operador privado pelo desconto efectuado. Para além disso, no caso do passe intermodal (MoveAveiro e Transdev), de valor 39,50€, seria importante perceber qual a repartição de receitas entre os dois operadores, isto é, qual a percentagem que cabe à MoveAveiro pela prestação conjunta do serviço.
Relativamente à venda de bilhetes e passes do novo operador não existe informação sobre os locais alternativos onde ela poderá ser feita, para além da sede da empresa. Existe o risco da centralização da venda poder penalizar os utilizadores e inibir o uso do transporte colectivo, quer para quem já usa, quer para quem gostaria de usar. Para além disso, não está disponível informação sobre os horários nas paragens de autocarro o que deveria ser rapidamente acautelado.
Em conclusão, tendo em conta os dados disponíveis, a nova rede e a forma como foi implementada reflecte uma visão fragmentada do sistema de transportes e aparenta penalizar os utentes das freguesias mais distantes, quer do ponto de vista dos horários (últimas carreiras), do preço (passageiros menos regulares que recorrem a bilhetes pré-comprados aumentam perto de 30%) e da duração da viagem, o que se afirma como um factor inibidor da coesão entre freguesias mais distantes e mais próximas do centro, circunstância tanto mais grave quando ocorre num momento de particular fragilidade económica das famílias mais carenciadas, as que mais usam o transporte colectivo. Seria importante desenvolver esforços no sentido dotar o sistema da coerência necessária e evitar que as alterações propostas prejudiquem o interesse público, quer da empresa municipal, quer das populações que mais necessitam do serviço.
José Carlos Mota (josecarlosmota@gmail.com )
(*) mapa aproximado da rede em http://amigosdavenida.blogs.sapo.pt/
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