Balanço Tertúlia “As árvores caíram. E agora?”
21 Março 2013. Dinamização: ADERAV, Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e Colectivo Cívico Amigos d'Avenida
Síntese das reflexões e recomendações
No passado dia 19 de Janeiro de 2013, perante a força do ciclone Gong tombaram mais de duas centenas de árvores no concelho de Aveiro. Para procurar perceber as razões da brutal queda de árvores e para perspectivar o futuro, a ADERAV, o Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro e o Colectivo Cívico Amigos d'Avenida convidaram dois reputados especialistas, Teresa Andresen, Arquitecta Paisagista, docente e investigador da Universidade do Porto e Jorge Paiva, Biólogo, docente e investigador da Universidade de Coimbra, assim como os responsáveis técnicos da CM de Aveiro, Celeste Maia e Maria João Tavares, para uma tertúlia pública que se realizou em 21 de Março de 2013. Das intervenções e do debate que se seguiu, produzimos uma breve síntese com as principais reflexões e recomendações.
1. O elevado número de árvores que tombou em meados de Janeiro, como resultado da passagem do ciclone Gong, deveu-se a vários motivos. Segundo Rosa Pinho, os principais foram: a falta de manutenção; o lençol freático muito à superfície fazendo com que as raízes também estivessem à superfície; inverno muito chuvoso tornando o solo menos compactado e com menos dureza; a provecta idade de algumas árvores; e o tamanho exíguo das caldeiras.
2. Pelo que foi possível perceber do plano de replantação de árvores apresentado por Celeste Maia, responsável técnica do pelouro na autarquia, este centra-se, sobretudo, na identificação das espécies a replantar mas não tem qualquer indicação projetual (local e condições da implantação) ou previsão de execução temporal, quer para as áreas mais fustigadas (Parque Infante D. Pedro), quer para a restante cidade ou concelho.
3. Existe uma enorme preocupação na intervenção de abate de árvores pós-ciclone, que poderá ser mais nefasta para as árvores urbanas que o próprio ciclone. O exemplo de cortes de árvores na Escola da Vera Cruz, denunciado na tertúlia por Maria José Marques, é prova disso. O ciclone originou um sentimento de pânico e de excesso de zelo institucional, o que conduziu a um abate generalizado e abusivo que não ponderou devidamente a relação entre riscos/benefícios. A eliminação de árvores em aparente risco, na verdade, transpõe o risco para outras dimensões menos imediatas (e.g. saúde pública, bem estar ,…). Uma notícia entretanto publicada no Diário de Aveiro (24/03/2013) dá conta de um ‘plano de abate intensivo’ que terá começado na envolvente da EB23 São Bernardo. Este plano contraria o espírito defendido pelo Sr. Vice-presidente da CMA, Carlos Santos, que referiu que, antes de qualquer abate, existe uma avaliação prévia de enorme rigor e que não iria haver nenhum abate generalizado, muito menos nas principais artérias, nomeadamente na Av. 25 de Abril.
4. Sendo certo que em muitas situações alguns cortes de árvores ocorrem por pedidos de cidadãos, como referiu Jorge Paiva, e noutras os cidadãos ficam calados a assistir à sua "destruição", em Aveiro, em várias circunstâncias (Alboi, Avenida Lourenço Peixinho, Escola da Vera Cruz, envolvente da Escola de São Bernardo), os cidadãos têm vindo a assumir um papel proactivo de defesa das árvores e de crítica relativamente às decisões municipais de gestão e manutenção das árvores. Num outro registo, saliente-se o esforço cívico de mapeamento das árvores que caíram em Janeiro e que juntou mais de duas dezenas de cidadãos identificando quase duas centenas de ocorrências (http://goo.gl/maps/nwxvt).
5. No que concerne ao Parque Infante D. Pedro, foi recomendado por Teresa Andresen a execução de um projeto de intervenção paisagístico que contemple a escolha adequada de espécies e sua localização. Foi defendida a necessidade de serem plantadas espécies autóctones e exóticas, pois estamos em presença de um parque histórico, concebido para ter árvores de todo o mundo, num conceito próprio dos anos 20 em que os parques não imitariam as florestas autóctones, mas trariam novidades, cores e formas de outras partes do mundo. Há cerca de dez anos, um inventário produzido por Rosa Pinho e Lísia Lopes dava conta que somente 10% das espécies de árvores e arbustos eram autóctones.
6. Um dos problemas mais graves do Parque está relacionado com a existência de espécies invasoras (ex: Pittosporum undulatum, Robinia pseudoacacia, Acacia melanoxylon, Prunus laurocerasus, etc.). Apesar de alertada para o assunto, aparentemente a autarquia não atribui particular importância à questão, não tendo sido referidos esforços no sentido de controlar/erradicar o problema; curiosamente, muitas das árvores tombadas eram espécies invasoras. Note-se que a problemática das espécies invasoras não pode ser menosprezada, uma vez que constitui a segunda ameaça mais grave à biodiversidade, a nível mundial, sendo a legislação portuguesa e europeia bastante peremptória quanto ao seu combate.
7. Quanto ao futuro, não foi clara a existência de um plano de rearborização mais vasto ou de manutenção e intervenção no património arbóreo do parque e da cidade, faltando uma visão estratégica e integrada. A este propósito foi deixado um alerta para o excesso de voluntarismo, tendo sido recomendado evitar avançar para um plano de rearborização sem pensar a "cidade" como um todo, até porque a paisagem urbana também se projeta e desenha, como referiu Paulo Lousinha. A este propósito, Teresa Andresen citou a base de dados feita para as árvores na cidade de Berlim, em que cada árvore tem uma ficha (um “bilhete de identidade”), onde são registados todos os dados de identificação e intervenção necessários.
8. Relativamente à aquisição de árvores, Teresa Andresen alertou para o facto das árvores importadas poderem estar mal aclimatadas e, muitas vezes, não se conhecer a sua data de envasamento o que pode prejudicar o desempenho da árvore quando plantada. Referiu ainda o risco de poderem trazer doenças. Foi sugerida a necessidade de estimular a produção local, nomeadamente através da revitalização dos viveiros municipais, proposta que foi bem acolhida por Carlos Santos e Celeste Maia.
9. No que concerne às intervenções no subsolo, nomeadamente a sua utilização para fins infra-estruturais pesados, por ex. parques de estacionamento, estas foram particularmente desaconselhadas por Teresa Andresen, tendo manifestado enorme preocupação perante a possibilidade de tal vir a ocorrer no Rossio, referindo os riscos que existem, quer para as árvores do Rossio, queda ou crescimento reduzido, quer para a obra (infiltrações, inundações, custos exagerados,…).
10. Quanto à natureza do plano de rearborização, este não deverá, de forma alguma, deixar de fora o património arbóreo pré-existente e deve introduzir mecanismos que evitem a sua destruição sem as relevantes e rigorosas justificações e, a existirem razões para a sua destruição, sejam instaurados mecanismos transparentes de informação e comunicação com os cidadãos. Para além disso, como Milene Matos lembrou, seria importante que ele considerasse um tratamento equilibrado da fauna e da flora, uma vez que os serviços dos ecossistemas urbanos não derivam exclusivamente do contributo da flora, mas da interligação e interação dos vários grupos taxonómicos, pelo que a "conservação" (no sentido de gestão ambiental) não pode menosprezar outros aspetos da biodiversidade (como a fauna vertebrada e invertebrada).
11. Nelson Matos, um dos intervenientes no debate, sugeriu que o plano deveria ser feito com recurso (tanto quanto possível) a uma componente participativa, até para enriquecer e validar a visão estratégica e integradora que se pretenda que venha a ter, mobilizando na sua execução a participação de voluntários preparados e experientes, disponibilizando os seus préstimos para ações de manutenção e gestão do parque arbóreo da cidade. Referiu, ainda, que a mobilização cívica é muito importante porque uma árvore plantada por um cidadão terá todo o seu apreço e será futuramente mais acarinhada e cuidada do que uma árvore plantada em massa por uma instituição "impessoal". Para além disso, alertou para o aproveitamento dos recursos existentes na cidade (e.g escolas, Universidade, associações, etc..) em particular na tarefa de (re)ativar os viveiros municipais funcionando numa base comunitária, apoiado pela CM e pelo tecido empresarial.
12. No debate foi também sugerida uma parceria entre a CMA, a UA e o ICNF, enquanto entidade que tutela a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. Os problemas e dificuldades da arborização/florestação são comuns às três entidades, que coabitam na mesma região, pelo que a união de objectivos, meios e acção (materializada, por exemplo, através da criação dos viveiros comunitários) poderia conduzir a uma gestão mais eficaz, com retornos imediatos e a médio-longo prazo, e como um 'exemplo' de cooperação institucional. Esta sugestão foi bem acolhida pelo responsável autárquico presente.
13. Por último, regista-se a ideia de que a destruição motivada pelo ciclone pode constituir uma oportunidade para uma reconciliação dos cidadãos com o meio natural e, em particular, com o espaço verde urbano, sendo para isso fundamental um compromisso de acção rigoroso, bem fundamentado, realista e participado, liderado pela autarquia.
Documento produzido com contributos de Rosa Pinho, Milene Matos, Nelson Matos, Paulo Lousinha, José Carlos Mota, Amália Miranda
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